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Libido Feminina: o que você precisa saber

A mulher é complexa, em todas as fases da sua vida o corpo e mente reagem de formas distintas. Não deixa de ser diferente com a libido, que pode flutuar constantemente ao longo dos anos, sendo perfeitamente normal e aceitável.

Caso esteja passando por alguma dificuldade no âmbito sexual, você não está sozinha. Uma grande parcela da população feminina1 relata preocupação com estas questões.

1.Quando devemos nos preocupar com a falta de desejo sexual?

A disfunção sexual feminina ocorre quando uma questão de cunho sexual causa sofrimento pessoal. A palavra chave é sofrimento. Caso não haja incômodo com a situação, não há problema a ser resolvido.

A disfunção pode aparecer de diversas formas, incluindo diminuição do desejo sexual, alteração da excitação, inabilidade de atingir o orgasmo ou dor durante o ato sexual2.

2.Entendendo a Libido Feminina

A descrição tradicional do ciclo de resposta sexual é dividida em 4 fases:

  • desejo
  • estimulação/ excitação
  • orgasmo
  • resolução

No entanto este modelo não pode ser aplicado consistentemente para as mulheres. Para muitas, estas fases variam, se repetem, se interconectam ou podem estar (algumas) ausentes durante o ato sexual. Importante frisar que a satisfação com a experiência sexual não precisa atingir todas as fases de resolução, incluindo o orgasmo.

Mulheres em relacionamento longo podem não apresentar desejo anteriormente ao ato, com o início da atividade sexual experimentam excitação e prazer. Outro aspecto importante é que a libido pode estar relacionada a outros fatores além do sexo, como vontade de intimidade emocional ou fortalecimento da relação com o parceiro3.

3.Quem sofre com isso e quais as causas?

Descontentamento de cunho sexual acomete cerca de 40% da população feminina globalmente4. As queixas mais comuns consistem na diminuição do desejo e inabilidade de atingir o orgasmo.

As causas da diminuição da libido são multifatoriais e dependem da fase de vida da mulher.

   3.1 Problemas no Relacionamento

Juntamente com a saúde geral feminina (física e mental), o relacionamento com o parceiro é o fator determinante para a satisfação sexual. Em um estudo realizado nos Estados Unidos o melhor preditor para alteração da libido foi o bem estar emocional da relação com o companheiro5.

A saúde do parceiro também influencia a experiência sexual feminina, assim como o tempo de relacionamento e diminuição do desejo com os anos6. Interessante que esta alteração ocorre apenas para as mulheres, enquanto para os homens há uma queda do desejo de ternura e carinho (por isso tantos problemas).

História prévia de abuso sexual também contribui de forma significativa para o aparecimento de problemas sexuais7.

  3.2 Cansaço e estresse

Nem sempre a vida da mulher é fácil, o cansaço e estresse do cotidiano apresentam um impacto grande na libido feminina.

A fadiga pode ser causada pelo trabalho, alterações na saúde geral e fatores como depressão e problemas familiares. A típica melhora da libido durante períodos de férias reflete como o estresse do dia a dia influencia o desejo sexual.

  3.3 Idade e Menopausa

O efeito do envelhecimento na libido feminina é muitas vezes sobreposto ao evento do climatério (período que antecede a última menstruação) e menopausa8.Primeramente, as principais queixas das mulheres que estão passando por esta fase são secura vaginal e dor durante a relação sexual, além de diminuição do desejo.

Estes fenómenos estão diretamente relacionados à diminuição do hormônio feminino estrógeno. Existe também uma diferença marcante entre as mulheres que entraram na menopausa naturalmente e as que sofreram retirada dos ovários. Estas sofrem mais agudamente com a diminuição da libido.9

Sintomas como os calores noturnos, alteração do sono, labilidade emocional, que muitas vezes acompanham a menopausa, também estão relacionados à diminuição da libido.

  3.4 Doenças Psiquiátricas

Aqui abrimos um parênteses para enfatizar a alta prevalência mundial da Depressão. Entre as mulheres que tem queixas de diminuição da libido a incidência de depressão varia de 17 a 26%10.

Sobretudo, tanto sintomas depressivos quanto ansiosos podem causar queda do desejo. O tratamento realizado com antidepressivos e calmantes também contribui para disfunção sexual.

  3.5 Problemas Ginecológicos

Muitas vezes a causa da disfunção sexual é uma questão ginecológica que pode incluir:

  • Gravidez e Nascimento de filho(a)
  • Prolapso pélvico e incontinência urinária
  • Endometriose
  • Fibrose uterina

  3.6 Outras Doenças

Desordens endocrinológicas: doenças como diabetes, hiperprolactinemia (aumento da prolactina, causado por um tumor na hipófise) e hipotireoidismo.

No entanto, no caso da hipertensão arterial ainda não está claro se a alteração ocorre pela própria doença ou pelo medicamento utilizado no tratamento. Ainda que, diversos estudos demonstram aumento das disfunções sexuais em mulheres hipertensas quando comparadas aquelas de pressão normal11.

Doenças Neurológicas: diversas doenças neurológicas cursam com diminuição de libido, tanto pelo estresse da enfermidade como diminuição sensorial no órgão feminino. Em especial podemos citar esclerose múltipla, Doença de Parkinson e epilepsia (esta principalmente pela medicação antiepiléptica).

  3.7 Outras Condições

Inegavelmente o excesso de peso e imagem corporal negativa impactam a libido feminina. Assim, outro fator é a presença de dor crônica (todas as doenças que cursam com este sintoma) que pode comprometer o desejo de forma geral, incluindo o sexual.

Similarmente, mulheres com diagnóstico de câncer referem disfunção sexual durante e após o tratamento da enfermidade12. Este risco é maior para aquelas que são submetidas a cirurgia pélvica ou de mama, assim como quimioterapia/radioterapia que acarretam falência ovariana. Além destes fatores, uma explicação plausível é o aumento da fadiga, depressão, ansiedade e estresse ligados à infertilidade e alterações corporais causados pela terapêutica.

  3.8 Medicações e Substâncias

As medicações que interferem na libido feminina (e também masculina) são inúmeras. Embora algumas sejam citadas, o ideal é sempre reavaliar com seu médico aquelas que você utiliza para investigar possíveis efeitos deletérios sobre o desejo sexual.

Os medicamentos que mais comprometem o desejo sexual são: antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina (Fluxetina, Sertralina, Paroxetina, citalopram entre outros), anti hipertensivos, alguns anti psicóticos, anti concepcionais orais (embora ainda exista uma certa discordância em termos de evidências científicas em relação a esta última medicação).

Outras substâncias como álcool, nicotina e opioides também pode ser vilãs, diminuindo o desejo sexual em ambos os sexos.

4.Como é feito o diagnóstico?

A melhor forma de identificar um problema relacionado à libido é reconhecer a questão e procurar auxílio. O seu médico poderá ajudar se a dificuldade for identificada.Para tanto é necessário o diálogo e confiança de ambas as partes.

Primeiramente, perguntas sobre atividade sexual devem ser específicas.

Para cada queixa, é importante avaliar

  • É novo, crônico ou intermitente?
  • Isso causa sofrimento pessoal ou dificuldade interpessoal?
  • É generalizada ou ocorre apenas em determinadas configurações ou com um parceiro específico?

Perguntas úteis também incluem

  • Qual é a sua principal preocupação sexual (por exemplo, baixo desejo, dificuldade com orgasmo, dor durante a relação)?
  • Quando você se sentiu satisfeita pela última vez com sua vida sexual?
  • Descreva a frequência da atividade sexual e seu nível de desejo, excitação e resposta naquele momento versus agora.
  • Quando você começou a notar uma mudança que foi incômoda para você?
  • Você tem alguma ideia do que pode ter ocorrido naquele momento que contribuiu para o problema (por exemplo, infertilidade, nascimento da criança, depressão, novos medicamentos, diagnóstico de câncer, menopausa, problema com o parceiro)?
  • Você acredita que o estresse, a fadiga ou a falta de privacidade estão contribuindo para o seu problema sexual?
  • Você e seu parceiro tentaram alguma coisa para melhorar sua vida sexual, por exemplo, férias, filmes eróticos ou livros, dispositivos, aconselhamento ou terapia sexual? Alguma das intervenções foi útil?

Avaliar o Parceiro

Informações sobre a idade, estado geral de saúde, duração do relacionamento do cônjuge são essenciais, além do seu nível de interesse e função sexual dele (por exemplo, disfunção erétil).

Um olhar sobre o relacionamento com o parceiro (por exemplo, cuidar, comunicar, amar) traz informações que podem contribuir para o diagnóstico de disfunção sexual na mulher. Questionamentos sobre tempo juntos como um casal (sem familiares ou amigos presentes) e se durante as férias juntos o problema sexual ainda estava presente ou havia melhorado também trazem dados cruciais para o diagnóstico.

5. O que podemos fazer para melhorar?

Os principais preditores da satisfação sexual da mulher são a saúde física/mental e a qualidade do relacionamento com o parceiro. Portanto o foco do tratamento deve sempre começar pela melhora da qualidade de vida, bem estar pessoal e da relação.

  5.1 Mudanças do estilo de vida

Certamente, cansaço, estresse, falta de privacidade (quem tem filhos pequenos sabe a dificuldade) contribuem significativamente para a queda da libido. Medidas para diminuir a fadiga e pressão do cotidiano como exercício, técnicas de relaxamento, yoga, grupos de suporte e auxilio no cuidado com os filhos/casa resultam em melhora significativa das disfunções sexuais femininas.

Encorajar o casal a ter uma “noite de namoro” e passar de uma a duas noites longe das responsabilidades da casa pode levar ao aumento do desejo e qualidade da vida sexual. Estudos mostram que relações mais recentes apresentam libido elevada. Embora esta não seja solução para casais de longa data (ninguém está sugerindo trocar de parceiro), buscar novidades na própria relação pode ser efetivo; como ler um livro sobre o tema, visitar uma sexyshop ou buscar lugares novos para os encontros sexuais.

  5.2 Melhora da Imagem Corporal

A percepção do seu próprio corpo afeta o seu interesse e satisfação sexual feminina13. Enfim, mulheres acima do peso com alteração da libido devem procurar auxílio para emagrecer. E muitas sentem melhora desta questão quando incorporam atividade física regular à rotina.

  5.3 Terapia de Casal

Problemas que envolvem o relacionamento geralmente amplificam a disfunção sexual em um ou ambos os parceiros. Um dos principais fatores que desencadeiam alteração na libido é a limitação da comunicação entre o casal e conflitos constantes14.

Mulheres com disfunção sexual, na sua maioria, se beneficiam com o auxilio da terapia de casal15. Os especialistas nesta área podem explicar sobre ciclo normal de resposta sexual e ajudar a lidar efetivamente com preocupações culturais ou religiosas em relação à sexualidade.

Os terapeutas sexuais trabalham para melhorar a comunicação entre casais. Visto a eficácia e satisfação que ambos os parceiros apresentam na terapia de casal,  esta deveria ser considerada um pré requisito para o tratamento farmacológico.

  5.4 Tratamento da Incontinência

A incontinência, urinária ou fecal, está relacionadas à disfunção sexual sexual feminina. Procurar auxílio médico e de fisioterapeuta especializado nesta área é imperativo para resolução do problema.

  5.5 Terapia Hormonal

  • Andrógenos

Seguramente aqui entramos em um área extremamente controversa que culmina em discussões calorosas entre os especialistas. Importante enfatizar que os níveis de androgênios (testosterona, DHEA) não predizem a qualidade da libido feminina. No entanto, em pacientes pós menopausa a reposição de testosterona pode melhorar o desejo sexual em algumas mulheres.

Decerto, para as mulheres que ainda estão no período fértil (ou seja que ainda não entraram na menopausa) o uso da testosterona16 não apresentaou benefícios A Endocrine Society17 recomenda contra o diagnóstico de síndrome de deficiência androgênica em mulheres saudáveis.

      Mulheres na pós-menopausa

Assim a terapia com testosterona é o tratamento androgênico mais comumente estudado para a disfunção sexual feminina. A adição de testosterona à terapia de estrogênio pós-menopausa (com ou sem progesterona) em mulheres que passam pela menopausa (natural ou cirúrgica) demonstrou melhorar a função sexual em revisões sistemáticas de ensaios randomizados18, 19. A testosterona é usada principalmente para tratar problemas com o desejo sexual, embora todos os aspectos da função sexual geralmente melhorem.

O tratamento deve ser sempre individualizado e o médico precisa expor os riscos e benefícios do uso de testosterona.

     Principais questões relacionadas aos efeitos colaterais incluem:

  • Efeitos colaterais como hirsutismo e acne, geralmente são leves; alterações virilizantes irreversíveis (por exemplo, aprofundamento da voz, clitoromegalia) normalmente ocorrem com dosagem excessiva.
  •  Uma possível associação entre a administração de testosterona e o risco de câncer de mama foi relatada. Além disso, algumas mulheres em testosterona desenvolvem sangramento uterino anormal.

Porquanto, os andrógenos devem ser usados ​​com cautela. Mulheres com risco ou que atualmente têm doença cardiovascular, doença hepática, hiperplasia endometrial ou câncer de mama devem ser bem orientadas. Para mulheres em idade reprodutiva, a terapia com testosterona raramente deve ser usada, pois caso haja gestação o bebê pode ser afetado.

  • Estrógenos

Surpreendentemente, no estudo clínico Women’s Health Initiative20, que incluiu mais de 27.000 mulheres na pós-menopausa, os autores concluíram que estrogênio sistêmico com ou sem terapia com progesterona não melhorou a satisfação sexual. No entanto, caso a diminuição da libido seja secundária aos fogachos (calores típicos da menopausa) e alteração do sono causada pelas ondas de calor noturno, o tratamento dos sintomas da menopausa com terapia hormonal sistêmica pode levar à melhora do problema sexual.

Se estes sintomas típicos da pós menopausa não estiverem presentes , a terapia de estrogênio vaginal em baixas doses sozinha é altamente eficaz no tratamento de dor durante a relação21. O interesse sexual, a excitação e a resposta geralmente melhoram após a recuperação da saúde vaginal e do conforto durante a atividade sexual.

  5.6 Terapia não hormonal

Nos EUA, uma medicação específica para aumentar a libido feminina foi aprovada em 2015. A flibanserina22 é um agonista / antagonista do receptor de serotonina de ação central usado para tratar o baixo desejo sexual feminino. O uso diário resulta em aumentos modestos na frequência de eventos sexualmente satisfatórios e desejo sexual.

No entanto, o uso desta medicação está associado a alguns efeitos adversos leves a moderados (por exemplo, sonolência, tontura) e pode resultar em hipotensão ou, raramente, síncope. As mulheres em uso de flibanserina não devem consumir álcool ou inibidores da CYP3A4 (por exemplo, fluconazol). No Brasil esta medicação ainda não foi aprovada.

Igualmente, outros medicamento que mostraram melhora na libido feminina são a bupropiona23 e a buspirona24. Ambos podem ser  eficazes no tratamento da disfunção sexual feminina.

6. E agora?

Conforme podemos perceber a libido feminina pode ser um emaranhado de complexidades. Importante sempre procurar auxilio médico e psicológico quando existir um fator que cause sofrimento para a mulher. Identificar e tratar o problema pode ser mais fácil do que você imagina.

Quer saber mais? Estou à disposição para solucionar qualquer dúvida que você possa ter, e ficarei muito feliz em responder aos seus comentários sobre este assunto.

Leia outros artigos e conheça mais do meu trabalho como endocrinologista em São Paulo.

Referências

1.Sexual problems and distress in United States women: prevalence and correlates.

2.Female Sexual Dysfunction: Physiology, Epidemiology, Classification, Evaluation and Treatment

3. Has testosterone passed the test in premenopausal women with low libido? A systematic review

4. Sexual problems among women and men aged 40-80 y: prevalence and correlates identified in the Global Study of Sexual Attitudes and Behaviors.

5. Distress about sex: a national survey of women in heterosexual relationships.

6. Sexual motivation and the duration of partnership.

7. An examination of the association of abuse (physical, sexual, or emotional) and female sexual dysfunction: results from the Boston Area Community Health Survey.

8. Web-based survey on the effect of menopause on women’s libido in a computer-literate population.

9. Elective ovarian removal and estrogen replacement therapy–effects on sexual life, psychological well-being and androgen status.

10. The impact of mental illness on sexual dysfunction.

11. Female sexual dysfunction in essential hypertension: a common problem being uncovered.

12. Sexual dysfunction in women with cancer.

13. Relationships Between Body Image, Body Composition, Sexual Functioning, and Sexual Satisfaction Among Heterosexual Young Adults

14. Relational Intimacy Mediates Sexual Outcomes Associated With Impaired Sexual Function: Examination in a Clinical Sample.

15. A field trial of the effectiveness of behavioral treatment for sexual dysfunctions.

16.Sexual Desire and Arousal Disorders in Women

17. Androgen therapy in women: a reappraisal: an Endocrine Society clinical practice guideline.

18. Testosterone for low libido in postmenopausal women not taking estrogen.

19. A double-blind, randomized, placebo-controlled trial of the effect of testosterone cream on the sexual motivation of menopausal hysterectomized women with hypoactive sexual desire disorder.

20.Women’s Health Initiative

21. Management of vulvovaginal atrophy-related sexual dysfunction in postmenopausal women: an up-to-date review.

22. Flibanserin for hypoactive sexual desire disorder: place in therapy.

23.Bupropion in the depression-related sexual dysfunction: a systematic review.

24.Advances in pharmacotherapy for treating female sexual dysfunction.

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